Atílio Bergamini Junior – (Permanente)
Atílio Bergamini Junior – Dr./UFRGS (2013)
Estágio Pós-Doutoral/UNICAMP (2013)
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2909018676095967
Linha de Pesquisa – Literatura(s), Linguagens e Outras Poéticas
E-mail: atiliobergamini@gmail.com
Projeto: A LITERATURA NA GRANDE SECA (Linha 3)
Descrição: O título deste projeto se refere à seca ocorrida entre 1877 e 1879 e designa pesquisa que está sendo realizada pelo orientador junto ao CNPq. Este projeto visa todavia incentivar pesquisas mais amplas e não apenas relativas à seca de 1877-1879. Busca-se pesquisas interessadas em revisar fontes primárias, jornais, arquivos, diários, em busca de testemunhos, cantos, poemas, ficções e relatos a respeito das diversas secas ocorridas no atual Nordeste brasileiro desde o período colonial. O foco, seja por meio de leituras a contrapelo, seja por meio de outros métodos, é sistematizar saberes e testemunhos contra-hegemônicos, indígenas, sertanejos, caboclos, de mulheres, de crianças, de velhos. Estas fontes poderão ser comparadas com fontes de outras épocas e lugares (por exemplo, comparação entre representações da seca de 1877 e da seca de 1979; e, para outro exemplo, comparação entre o romance A fome e o romance The Dry, que ficcionalizam, respectivamente, a seca de 1877 no então chamado Norte brasileiro e a seca de 2012 na Austrália). Sabemos relativamente bem como as elites de cada momento representaram as secas, mas ainda precisamos avançar bastante na construção da memória e da justiça para a vida e a morte dos retirantes pobres, das mulheres, das crianças, dos trabalhadores que construíram as ferrovias, portos, rodovias, linhas de telégrafo, açudes e outras grandes obras públicas em períodos críticos. Periódicos diversos e impressos por vezes registram o que cantou, rezou e disse em greves e atos públicos quem mais sofreu com as secas. Outros parodiam narrativas, provérbios, sambas e benditos, dando a ver que os retirantes de todos os tempos procuraram cuidar da vida também por meio do cuidado com as palavras. Da mesma forma, sabemos pouco sobre como plantas e animais compõem os saberes dos de baixo a respeito de tempos secos. Há de fato, a partir das formulações de Rodolfo Teófilo, toda uma investigação a ser feita sobre a presença literária de plantas como a mucunã em narrativas, dramas e cantares sobre a seca. Do ponto de vista epistemológico, a pesquisa apreende o método narrativo do romance Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, que a cada vez que narra a vida de uma pessoa escravizada procura contar nem que sejam duas ou três linhas sobre sua trajetória. O acúmulo de pequenas histórias, fios de histórias, rastros de histórias, nomes, sobrenomes, lugares de partida e de chegada, características, habilidades, pode nos aproximar das palavras cultivadas pelos retirantes, a exemplo do que acontece nos estudos e testemunhos da Shoah. A construção de uma memória das vítimas da seca construída a partir dos saberes e epistemologias deixados por elas é uma tarefa quase toda ainda por ser realizada, se é que ainda pode ser realizada, como indicam os estudos delicados de Kênia Sousa Rios. Mesmo a respeito de romances muito visitados, como A fome; Os retirantes; Luzia-Homem e Ataliba, o vaqueiro, ainda não se realizaram pesquisas nos jornais em que foram publicados inicialmente. De fato, inexistem estudos a respeito das versões em folhetim deles, faltando também edições críticas de quase todos. Em que pesem as excelentes pesquisas que se valem de romances, benditos, aboios e outros textos literários nos campos da historiografia e da psicanálise, nomeadamente por pesquisadores como Kênia Sousa Rios, Frederico de Castro Neves, Tyrone Apollo Pontes Cândido e Karla Patrícia Holanda Martins, não há estudos abrangentes sobre as representações literárias da seca na área da literatura posteriores àqueles realizados por Teoberto Landim e Durval Muniz de Albuquerque Jr., publicados respectivamente em 1992 e 1999. Ressalte-se, todavia, que Albuquerque Jr. inscreve suas pesquisas nas áreas da história e da sociologia, o que reforça a nossa percepção de uma falta de estudos específicos no campo da literatura a respeito deste problema tão urgente. Se os romances sobre as secas ainda exigem muita pesquisa até que sejam melhor compreendidos em suas contradições e possibilidades críticas, quase inexistem estudos a respeito dos milhares de poemas e relatos curtos em prosa esquecidos em jornais do século XIX e início do século XX. De modo semelhante, o teatro sobre as secas chega até nós apenas em breves notícias de jornal relatando uma multidão de peças teatrais em torno do tema, quase todas atualmente perdidas. Recentemente, o trabalho de dramaturgos como Henrique Fontes e Pablo Capistrano, em dramas como A invenção do Nordeste, indica a necessidade de o campo dos estudos literários voltarem seus interesses para o gênero dramático. A latitude do planeta na qual está o Nordeste brasileiro, a Etiópia, a Índia, a Austrália e boa parte da China sofre fenômenos similares, ligados ao ciclo do El Niño e aos movimentos mundiais do capital, analisados comparativamente pelo menos desde a seca de 1877 e mais recentemente por pesquisadores como Mike Davis. Este último argumenta que o modo como o imperialismo britânico intensificou as consequências das secas no século XIX perpetrando um genocídio mundial com cerca de 60 milhões de mortos, assinaladas e ressalvadas as necessárias singularidades regionais. Porém, apesar de estudos comparativos e abrangentes como os de Davis, a literatura da seca produzida em cada um dos lugares recém listados ainda não gerou análises comparativas, sequer a respeito de casos como The Dry (A seca), romance publicado em 2016 pela escritora australiana Jane Harper, e que circulou em pelo menos trinta países. The Dry representa o período com menor precipitação de chuvas registrado na história australiana, o que também ocorreu, entre 2012 e 2017, no Ceará. Até o momento da escrita deste projeto, porém, inexistiam pesquisas acadêmicas e narrativas ficcionais a respeito daquele período de estiagem no Ceará. Para além disso, pelo menos desde a publicação do romance Nada de novo sob o sol, de Lúcia Martins, em 1967, até filmes recentes de ampla circulação como Bem-vinda a Quixeramobim, a água passa a aparecer ficcionalmente como possível foco de catástrofes ambientais no Nordeste, indicando a divisão injusta e por vezes cruel das fontes e reservatórios existentes. Em resumo: por meio do retorno a fontes primárias, visamos construir uma rede de estudos que compare narrativas sobre as secas em diferentes lugares e tempos, tendo como finalidade a construção de memória e justiça a partir dos restos, traços e resquícios de linguagem que nos chegaram das ainda incontáveis milhões de vítimas das secas políticas e econômicas do século XIX e XX.
Projeto: MACHADO DE ASSIS NO NORDESTE (Linha 1)
Descrição: Por meio de pesquisas em fontes primárias, este projeto visa compreender como a obra e o nome de Machado de Assis circularam em estados do Nordeste brasileiro, em especial o Ceará. A pesquisa será feita inicialmente em jornais atualmente disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira. Há por exemplo indícios de circulação no Ceará do Jornal das Famílias, periódico no qual Machado publicou contos e poemas durante quase quinze anos. Tal circulação deixou numerosos rastros em jornais como O Cearense, que recebia o Jornal das Famílias por meio de envios da editora Garnier. Constrói-se desde aí um certo renome do escritor e do político Machado de Assis em terras cearenses. A partir do início dos anos 1870, o nome de Machado de Assis também aparece em diversos anúncios de venda de livros em inúmeros jornais cearenses, o que abre outro campo de análise. Há ainda a presença de Machado em textos inicialmente publicados em periódicos na Côrte e em seguida republicados em jornais cearenses tanto liberais quanto conservadores, como O Cearense, Constituição e Pedro II. Estão neste caso textos como “O ideal do crítico”. Com o passar do tempo, Machado passa a figurar como um nome importante da literatura e isso faz com que esteja presente em críticas literárias que se referem a outros escritores. É o caso de uma crítica publicada no Constituição sobre O ninho do beija-flôr, de Araripe Junior. Referências a Machado também ocorrem quando alguém quer dizer que um novo folhetinista aparece nos jornais com erudição, “fogo” e outras qualidades de escrita. Ocorre, ainda que apenas raramente, o uso do nome Machado de Assis para assinar poemas e notas que não são originalmente de Machado de Assis, evidenciando o prestígio do nome do autor já plenamente estabelecido em meados de 1880. Somam-se a estes apócrifos, a vasta presença na imprensa cearense do século XIX de poemas realmente escritos por Machado, como é o caso de “As náufragas”, publicado em 1887 no Cearense, a respeito de duas meninas afogadas no naufrágio do vapor Bahia, e “O verme”, que saiu poucos meses depois no mesmo periódico. Há igualmente versões e traduções de Machado para poemas, como é o caso do pouco conhecido “O poeta a rir”. Por fim, se faz presente nos periódicos cearenses alguma ocorrência do Machado de Assis funcionário público, como acontece com uma nota em que o diretor da Secretaria do Estado da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas assevera que o pedido de um morador de Viçosa para explorar minas de cobre seria ignorado a pedido do próprio morador. Analisar e pesquisar estes e outros exemplos da presença de Machado nos periódicos nordestinos é objetivo primeiro de nosso projeto.